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Para estar com o outro - Parte 1: A (des)construção da confiança

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Adentrei propositalmente o ambiente. Havia um alegre sussurro por lá. As mesas estavam dispostas uniformemente. Uma suave música tentava chamar os clientes para além de suas próprias vozes. E. também, havia o cheiro. Por sorte sobrara uma mesa, sincronicamente esperando por mim. A vista era fantástica, permitia-me ver a todos. Porém, desta vez, estava concentrado em mim, afinal estava sozinho. Não me demorei em escolher meu prato, tamanho o desejo de meu corpo. Tristemente meus olhos percorreram novamente o ambiente e lembrei-me de conversas com meus pacientes, onde salientava a importância da solitude. Lá estava eu novamente... Contatei meu celular e logo estava lendo uma interessante crônica onde falava da construção amorosa. Estava envolvido com a repercussão do tema após uma longa conversa no dia anterior. Algumas interessantes vontades começaram preencher espaço dentro de mim a cada novo parágrafo que lia. Entre um espaço e outro, permitido pela leitura, vozes ao meu lado se fa...

Perda Inexiste!

Faz alguns anos que me afastei propositalmente de meus escritos, afastando-me, assim, de mim mesmo. Hoje, por alguma interessante razão, o dia amanheceu diferente, mesmo eu abominando as temperaturas mais frias do ano. Logo percebi que voltaria a escrever, o que faço agora... É redundante dizer que as experiências nos trazem amadurecimento... Porém, os últimos anos constataram veemente essa premissa: algo em mim cresceu diferente! Com caráter singular tomou forma distinta, nada anódino e absolutamente não-insípido. Sempre é muito complexo definir um sentimento por inteiro...  Rico, porém, é percebê-lo por entre os dedos: um interstício. Percebê-lo entre algo que paira como sonho e o que se mostra tragicamente na realidade. Percebê-lo como algo que desvela no instante súbito entre a imaginação e a ação. Sendo assim, aquilo que se quer e o que, de fato, se é. Lembro-me de Fernando Pessoa: "O que me dói não é  O que há no coração   Mas essas coi...

Necessária Tristeza!

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Foi assim que adentrou em minha sala: introspectivo, cabisbaixo, sem conseguir olhar para mim. Em poucos segundos estava chorando, profundamente. Choro sentido! Dor. Tentou aos poucos me olhar, talvez com a menção de me explicar algo. Nunca havia acontecido isso... Até que por fim fitou e sussurou: - Acho que estou depressivo. Perdi a vontade de tudo... Novo silêncio. As lágrimas buscando espaço em sua face sentida. Suas mãos iam constantemente ao encontro de um novo lenço de papel, depositado na mesinha ao seu lado. Tentou novamente: - Algo está acontecendo... por isso resolvi vim à análise hoje. Fazia questão de tentar explicar-me. Fiquei olhando-o fixamente. Busquei sentir sua respiração para que pudéssemos respirar juntos. E permiti lhe dizer: - Aproveite o que está vindo. Permita-se... Novo silêncio. Ao sentir permissão em minhas palavras respirou profundamente, como se sentisse certa consonância comigo. Seu choro havia ficado mais forte, sua dor mais profunda. Algo...

Tristeza

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Você, que diz que, se pudesse, trocaria seu nome por melancolia, você me pergunta sobre as razões da tristeza. Me pergunta mais: sobre as razões por que há pessoas que se emocionam com coisas pequenas - as outras nem ligam e até riem da sua sensibilidade -, o que lhe dá uma tristeza ainda maior, a tristeza da solidão. Olhe, há tristezas de dois tipos. Primeiro, são as tristezas diurnas, quando o mundo está iluminado pelo sol. Tristezas para as quais há razões. Fico triste porque o meu cãozinho morreu, porque meu filho está doente, porque crianças esfarrapadas e magras me pedem uma moedinha no semáforo, porque o amor se desfez. Para essas tristezas há razões. Quem não sente essas tristezas está doente e precisaria de terapia para aprender a ficar triste. Tristeza é parte da vida. Ela é reação natural da alma diante da perda de algo que se ama. O mundo está luminoso e claro - mas há algo, uma perda, que faz tudo ficar triste. Segundo, são as tristezas de crepúsculo. O crepúscu...

COISAS QUE NÃO PRECISO PARA SER FELIZ!

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Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?' Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa degarota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de gin...

ERÓTICA É A ALMA!

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Adélia Prado certa vez escreveu: "Erótica é a alma". Além de poética, a frase é redentora, pois alivia o peso da sensualidade a qualquer custo, a busca desenfreada pela juventude perdida, a corrida pelos últimos lançamentos da indústria cosmética. E nos autoriza a cuidar mais da alma, a viajar pro interior, a descobrir o que nos completa. Pois se os olhos são as janelas da alma, de que adianta levantar pálpebras se descortinam um olhar de súplica? Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios; erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores...
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Aniversário! Minha mãe me ensinou que não é polido perguntar às pessoas sobre a sua idade. Eu lhe perguntei por quê, mas ela não soube me explicar as razões. Nunca consegui entender esta regra da etiqueta pois não podia ver mal algum em querer saber sobre os anos de vida que uma pessoa acumulou. Foi só há umas poucas semanas que compreendi as boas razões que se escondem atrás deste tabu. E que qualquer que seja a resposta, ela é sempre mentirosa. Mesmo quando a conta está certa. Pois é assim que se obtém a resposta: somando os anos que já se passaram do ano do meu nascimento até o ano em que estou vivendo. Se digo que tenho 58 anos, este número é obtido pela soma, um a um, dos anos que vão do dia do meu nascimento, em 1933, até hoje. A conta está certa, mas a resposta está errada. Pois 58 anos são, precisamente, os anos que eu não tenho. 58 são os anos que já se passaram, anos mergulhados no passado, anos com que não posso ...