Perda Inexiste!

Faz alguns anos que me afastei propositalmente de meus escritos, afastando-me, assim, de mim mesmo. Hoje, por alguma interessante razão, o dia amanheceu diferente, mesmo eu abominando as temperaturas mais frias do ano. Logo percebi que voltaria a escrever, o que faço agora...

É redundante dizer que as experiências nos trazem amadurecimento... Porém, os últimos anos constataram veemente essa premissa: algo em mim cresceu diferente! Com caráter singular tomou forma distinta, nada anódino e absolutamente não-insípido. Sempre é muito complexo definir um sentimento por inteiro... 

Rico, porém, é percebê-lo por entre os dedos: um interstício. Percebê-lo entre algo que paira como sonho e o que se mostra tragicamente na realidade. Percebê-lo como algo que desvela no instante súbito entre a imaginação e a ação. Sendo assim, aquilo que se quer e o que, de fato, se é. Lembro-me de Fernando Pessoa:

"O que me dói não é 
O que há no coração 


Mas essas coisas lindas 

Que nunca existirão... 

São as formas sem forma 
Que passam sem que a dor 
As possa conhecer 
Ou as sonhar o amor. 

São como se a tristeza 
Fosse árvore e, uma a uma, 
Caíssem suas folhas 
Entre o vestígio e a bruma."

(Cancioneiro, O que me dói não é)

Sim, o que me dói não é a aspereza do sofrimento, nem a suavidade do carinho: eles simplesmente são! O que me dói é não percebê-los. ou não tê-los. O que me dói é a não atuação dessas entidades, que desembocam no interstício, na indefinição, na secção. Como que não fossem, embora existam. Minhas últimas experiências apontam para uma realidade não antes vivida: a covardia que inviabiliza a ação, mas sonha com ela. Aquilo que seduz pela forma, mas não determina sua existência, embora ainda assim exista. 

Percorri nesses tempos o caminho que visualiza a meta ou o propósito, mas não externaliza a ação nessa direção. Como o viajante que estuda o caminho, traça a melhor rota, estabelece o ritmo, antecipa as intercorrências, promete a chegada, mas não sai do ponto de partida. Ainda assim, reafirma suas intenções, mostra os estudos, calcula novamente a chegada, mas não sai novamente do ponto de partida. Porém, vive como se estivesse chegado, e desfruta de uma realidade totalmente utópica, que não existe nem lá, nem cá, que não é nem vestígio, nem bruma.

Sua forma é amorfa. Procura pelo convencimento estético criar a expectativa no outro. Busca pela sedução transgredir o conhecido contexto. Visa roubar do interlocutor a percepção da realidade. Tenta transferir sua responsabilidade. Marca com astúcia a corrosão dos princípios humanos. Cria o hábito do tirano engano ou da sábia mentira. Mata a possibilidade de contato!

Minha rica experiência, a qual marco com gratidão, deu-me a oportunidade de conhecer o que há entre as realidades: sem o conhecimento, a realidade, e o sonho, a promessa. Aquilo considerado como "boderline", ou aquilo que existe entre as bordas... as bordas do ser humano e de seu repertório psíquico e físico. Ademais, além de conhecer aquilo tudo, ou nada, que há entre um e outro, bem e mal, verdade e mentira, realidade e fantasia, aprendi o significado de um novo conhecido sentimento: a perda. Claro que conhecido, porque todos sabemos o significado de uma perda. Todos perdemos, é claro! Entretanto, quando perdemos, temos certa noção da perda ou daquilo que a provocou. Perdemos por algo, real ou não: uma palavra, uma ação, uma negligência, um motivo... Todavia, minha perda real por algo nunca houve. É como se não existisse, como se não houvesse. Embora tenha vivido, não sei o que houve. Como se o que a mim chegasse não existisse, seja pela contradição entre a palavra e a ação, seja pela impossibilidade de continuidade, de regularidade. Minha perda se deu por algo absolutamente verdadeiro, porém não visível. E, aprendi que nem tudo que se vê é real. Nem tudo o que é real se vê. Nesse hiato, que gera tensão e profunda tristeza, por não saber o que há, aprendi que é possível perder o que nunca existiu! Não é possível perder o que nunca existiu, né Drummond?!

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


"Por muito tem

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