ENCONTRE-SE ANTES DE ENCONTRAR O AMOR!


Recorrentemente, sou procurado por pessoas que trazem como queixa seus relacionamentos amorosos. Após algum tempo de relação – já quando a flecha de Eros perdeu a validade – relatam sentirem-se sozinhos, infelizes, insatisfeitos, convenientes, incapazes, inseguros, entre tantos sentimentos implicados no contato com o outro. Geralmente, reiteram relacionamentos abusivos, com alto impacto individual tamanho a intensidade das emoções vividas. Como que por uma escolha desmedida, na ânsia de completar o que lhes faltam, depositam suas ilusões no outro e se mantem, ambos, presos numa relação vazia, sem complementariedade e sem alteridade, e, em geral, com grande dependência e resistência ao término. Por alguma razão desconhecida, mesmo sentindo-se insatisfeitos e infelizes buscam manter a relação que está fadada ao fim. Mais tarde, quando altamente sofridos e amargurados, se permitem olharem para si mesmos e percebem-se presos numa trama insalubre, difícil de se romper e que, muitas vezes, colocam em risco a própria integridade pessoal em vários aspectos da existência.



Longe de buscar uma fórmula mágica ou construir uma única resposta para os supostos desencontros amorosos, creio que possamos refletir de maneira profunda sobre o tema em questão. Assim, “O que amamos quando amamos alguém?”, observava Santo Agostinho (354-430 d.c.). Sim, porque ao amar algo quando estamos amando alguém, não estou amando alguém, de fato. Estou apenas a amar “esse” algo. Na verdade, esse alguém é apenas quem eu amo indiretamente, já que ele (a) representa o espelho de outra coisa que amo. Ou seja, posso deixar de amá-lo (a) no momento exato que meu objeto de desejo não está mais sendo refletido em nele (a). Pode parecer cruel, mas não é verdadeiro? Acredito que nenhum amor deve ser construído na projeção de meu desejo, mas sim na construção do que é real. Como na frase que diz: “Não é o amor que sustenta o relacionamento, é o modo de se relacionar que sustenta o amor.”


Ampliando ainda mais o tema, talvez pudéssemos nos perguntar o porquê da existência dessa projeção, que faz com que eu tente encontrar no outro meu objeto de desejo. Deixando de lado as possíveis questões teóricas relacionadas as nossas projeções, podemos dizer que as denominadas paixões são geradas por necessidades e forças inconscientes, que, geralmente, não conseguimos ter autonomia e direcionar adequadamente, determinando assim várias fantasias que são projetadas ou deslocadas para o outro (a). Sendo assim, se preciso deslocar, significa que não está em mim ou é algo que sinto não possuir, sendo necessário buscar no outro, o que revela minha própria carência afetiva. Assim, minha carência afetiva passa a ser um impeditivo para a construção de uma relação objetiva e verdadeira.

“Quando se é carente de afetividade, ela se apresenta em forma de ansiedade perturbadora, que gera conflitos e insatisfações, logo seja atendida. Em tal caso, produz incerteza de prosseguir-se amado, após atendida a ‘fome’ do contato físico ou emocional. Enquanto se está presente, harmoniza-se, para logo ceder lugar à insegurança, à desconfiança. Assim sendo, o amor torna-se dependente e não plenificador. Transfere sempre para o ser amado as suas necessidades de segurança, exigindo receber a mesma dose de emoção, às vezes desordenada, que descarrega no ser elegido. Essa é uma exteriorização infantil de insatisfação afetiva, não completada, que foi transferida para a idade adulta e prossegue insaciada.”[1]

Ademais, a impossibilidade real de saciarmos rapidamente nossas carências infantis faz com que, ainda inconscientes, recorramos à tentativa de satisfação no ambiente que estamos inseridos, gerando assim, outro grande inconveniente e contratempo: continuamos a buscar fora a realização de nossos desejos subjetivos, mantendo-nos ainda mais carentes e despertando a “liquidez” nos relacionamentos afetivos. Ao invés de pararmos e tentarmos nos buscar internamente, somos, automaticamente, jogados aos valores empreendidos pela sociedade contemporânea vigente. Assumimos o consumismo capitalista nas relações humanas, acelerando a pseudonecessidade da rotatividade dos “bens” adquiridos, sendo as relações comparadas a aquisições que precisam a todo momento serem substituídas por um novo elemento. Trocamos de pessoas como trocamos nossos bens de consumo, substituindo sentimentos e realizações por aquisições. Numa sociedade considerada moderna, onde preconiza-se a velocidade das informações em forma de estímulos constantes, somos tomados pela ilusão do hábito da troca e continuamos em nossa suposta carência emocional iludidos com os conceitos de satisfação e felicidade. Felicidade, neste contexto sociocultural, apenas como sensação de bem-estar, ou seja, esvaziamento das tensões desagradáveis e apego ao que traz sensações de gratificação, como conforto, relaxamento, prazer e satisfação dos desejos. Na busca deste padrão hedônico de comportamento, onde a satisfação egóica passa a ser o aspecto central da vida, ter novas aquisições é apregoar o caráter efêmero e inconstante das relações humanos e, consequentemente, das relações amorosas. Manter a atenção apenas nos objetos de prazer impede o verdadeiro conhecimento de si e a troca autêntica com meu próximo. Não enxergo verdadeiramente o outro e não o (a) enxergando, fico impedido da troca, matéria prima de toda relação afetiva que promove conhecimento, crescimento e evolução em todos os níveis da criação. Mesmo vivo, estou morto, pois todo relacionamento é um campo rico para reflexão, o intercâmbio ideal para nossa plenitude e crescimento interiores. Como alertava Gandhi: “Se o homem detém a sua atenção sobre os objetos dos sentidos, nasce-lhe a atração por eles; da atração surge o desejo; do desejo forma-se a cólera; da cólera nasce o desvio; do desvio a confusão de pensamentos; da confusão de pensamentos a ruína da razão; da ruína da razão ele morre”.

Para não “morrer” sozinho ou na relação com o outro, precisamos reforçar em nós a necessidade de estarmos sozinhos. Quem não esteve sozinho irá, necessariamente, projetar seu conteúdo na relação com seu par. É preciso aprender a viver só, aprender a fazer silêncio, para poder conviver com o outro, porque dentro de cada um mora uma grande solidão. Dentro de cada um mora as próprias experiências. Dentro de cada um existe um mundo inteiro. Há um lugar dentro da gente que ninguém vai, somente nós. Então, aprendendo a respeitar nossa solidão, poderemos compreender a solidão do outro. Não cairemos em nossas carências, em nossas inseguranças, em nosso sofrimento. Não precisaremos projetar nossas faltas e inquietações, pois em nossa solidão elas já foram atendidas e acolhidas. Não precisaremos cair em desespero e direcionar automaticamente num próximo alvo, pois conheceremos a natureza do desespero e conseguiremos escutar o que deve ser escutado e compreendido. Não precisaremos nos sentir abandonados, pois saberemos que ninguém conseguirá suprir o que nos falta, exceto nós próprios. Não precisaremos executar uma suposta traição, pois é impossível trair o outro, sem trair a si mesmo. Não precisaremos caminhar mais para fora em busca de uma solução mágica, pois machucaremos a nós próprios com novas ilusões baseadas apenas em nossa natureza emocional. Enfim, escolher pela solidão, pelo autoconhecimento é premissa necessária para o sucesso de nossas relações amorosas. Sucesso, aqui, representando uma construção qualitativa atemporal. Como nos dizia C.G. Jung: “quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta”.





[1] Refletindo a Alma – pag 211

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