Necessária Tristeza!

Foi assim que adentrou em minha sala: introspectivo, cabisbaixo, sem conseguir olhar para mim. Em poucos segundos estava chorando, profundamente. Choro sentido! Dor. Tentou aos poucos me olhar, talvez com a menção de me explicar algo. Nunca havia acontecido isso... Até que por fim fitou e sussurou:
- Acho que estou depressivo. Perdi a vontade de tudo...
Novo silêncio. As lágrimas buscando espaço em sua face sentida. Suas mãos iam constantemente ao encontro de um novo lenço de papel, depositado na mesinha ao seu lado. Tentou novamente:
- Algo está acontecendo... por isso resolvi vim à análise hoje.
Fazia questão de tentar explicar-me. Fiquei olhando-o fixamente. Busquei sentir sua respiração para que pudéssemos respirar juntos. E permiti lhe dizer:
- Aproveite o que está vindo. Permita-se...
Novo silêncio. Ao sentir permissão em minhas palavras respirou profundamente, como se sentisse certa consonância comigo. Seu choro havia ficado mais forte, sua dor mais profunda. Algo ainda não me agradava, como se pudesse sentir sua negação daquilo que estava acontecendo. As lágrimas continuaram a correr, como se não pudesse controlá-las.
- Não sei o que fazer. Nunca me sentia assim, disse ele.
Foi quando pede para tentar falar mais claramente, como se não estivesse compreendendo. Seria importante tomar consciência de seu processo, seja qual fosse ele.
- Não sei explicar, arriscou. Não consegui fazer nada no último domingo, nem sair de casa, nem sair com minha família – como era habitual. Fiquei prostrado, ainda estou na verdade. Sinto-me sozinho. Hoje não tive vontade de trabalhar. Acho que estou deprimido.
Como se ainda não estivesse compreendendo balbuciei:
- Não saiu domingo? Por quê?
Nova espera... o choro definitivamente não cessava.
- Houve um problema em casa, coisas de casa velha. Chamei um técnico e não pude sair de lá, explicou-me.
- Ah é, falei... Verdade, casa velha sempre dá problemas. Aliás, tudo que é velho carece ser transformado, ou menos olhado, não acha?, complementei.
Nova pausa. O choro estava mais brando. Olhou-me de maneira mais próxima, como se compreendensse meu questionamento. Mesmo assim, hesitou:
- Como assim?
- Uai!  Não acha que como a sua casa, há outras verdades que devemos também olhar. Por vezes parar, esquecer um pouco nossos hábitos e reciclar?, indaguei.
Começamos estabelecer um diálogo.
- Talvez, mas o que tem isso a ver comigo?, perguntou “inocentemente”.
- Bom, veja o que está lhe acontecendo desde sentou aqui. Não fale mais nada, nem tente explicar ou criar supostos motivos que o fez sentir desta maneira. Também não defina seu momento com hipotéticos diagnósticos. Apenas sinta e me diga o que vem..., finalizei.
Novo silêncio se fez presente. As lágrimas voltaram a correr. Uma angústia era claramente perceptivel. Tentou responder duas ou três vezes antes de conseguir, até que por fim me disse:
- Sinto-me só, nem respostas, sem nada em que possa me apoiar, afirmou veementemente.
- E o que sente que isso pode representar?, perguntei novamente.
- Sei lá... (choro contínuo). Algo diferente pode estar me acontecendo! Não sei bem como definir tudo isso, complementou novamente.
- Então não defina. Diga-me apenas qual é o principal sentimento quando fecha seus olhos. E, se possível, diga-me se com o sentimento vem alguma imagem.
Pausa... Sua cabeça estava baixa. Procurou fechar os olhos, sem tanta resistência. Pareceu querer realmente sentir o que lhe estava acontecendo. Por fim, me disse:
- Tristeza, sinto muita tristeza. Não vejo imagem alguma. Na verdade, penso em minha família e vejo que tenho apenas eles. Tenho quase 50 anos e é a única coisa que tenho.
- Muito bom estar se permitindo sentir essa tristeza. Precisa de muita coragem para senti-la, principalmente nos dias de hoje onde tudo parece uma grande festa. Parabéns!, disse eu.
Ele levemente consentiu, então continuei:
- Disse-me sentir algo novo, que parece uma tristeza, como acabou de afirmar. Disse também que se sente só, como também não se sentiu antes. Quando busca compreender essas duas temáticas vem sua família em sua mente e a idade que tem. Como poderíamos deixar isso mais claro para nós?!
Novo intervalo. Olhou-me rapidamente nos olhos. Baixou a cabeça, como se estivesse realmente interessado em compreender a tristeza que o acometia.
- Não sei, não estou conseguindo estabelecer nenhum tipo de conexão, disse-me.
- Ótimo, se não está conseguindo estabelecer conexão, significa que pode existir senão não falaria a respeito. Mas deixemos isso de lado e pensemos o seguinte: imagine que está indo a um lugar de carro, que não conhece. Imagine também que não há nenhuma tecnologia por perto. Está sozinho. É tarde. Nunca esteve neste bairro, sequer ouviu falar dele. O que faria? Quais recursos que abriria mão neste momento?
- Como assim?, resistiu. Não sei! Sei lá, talvez precisasse parar num postou ou em algum lugar para falar com alguem. Para que pudesse me explicar. Acho que isso, não sei. Por quê?
- Não importa o porque neste momento. O que está me dizendo é que perguntaria para outra pessoa, é isso?
- Sim.
- E por quê?, repliquei.
- Como assim doutor? Porque estou perdido, não sei como chegar ao meu destino, concluiu meio sem paciência.
- Exatamente. Perfeito! Você só poderá chegar onde quer quando assumir para você que não sabe chegar, ou seja, que está perdido. E, se está perdido, é porque é algo novo. Não é?. Mas, definitivamente, só conseguirá chegar onde quer se tiver a humildade de assumir que não sabe, que não pode, que precisará de outro para lhe ajudar, continuei. É assim que está se sentindo?
Estabelecia profunda conexão visual comigo quando falava. Ao terminar, pos-se a refletir, desviando o olhar e baixando novamente a cabeça. Seu choro agora estava contido, ainda mais profundo. Fez uma afirmação com a cabeça e desferiu:
- Acho que sim. Tem razão. Estou triste por estar perdido mesmo, por não saber o que passa comigo. Sempre tive minha família, que me ama é claro, mas acho que é o momento de seguir meu caminho, ou o caminho que desconheço. Cansei de ser o mesmo e me sentir o mesmo!
E, foi assim que saiu da minha sala. Exausto pela “descoberta”. O conhecimento de nossos processos costuma doer, às vezes muito. Sangra por dentro, diz alguns. E, também, não há explicação, como todo processo que é verdadeiro. Acontece, por assim dizer. Mamãe costumava me dizer que ou crescemos pelo amor ou crescemos pela dor. Em geral, escolhemos a dor. Infelizmente. Enfim, a tristeza é algo que chega e sempre sinaliza. Não há porque fugir, não há para onde ir. “Graças” a indústria farmacêutica somos estimulados a tomar a nova droga do momento, com a ilusão que acabará com toda a dor e, por vezes, sofrimento que sentimos. Não, não são iguais, e Drummond sabia disso quando escreveu “viver não doi”. Dizia que o sofrimento é uma escolha, já que suas raízes estão na expectativa de coisas que queríamos que nos tivesse acontecido. E sofremos porque criamos uma fantasia que nos faz sofrer. Já a dor, essa é inevitável. É fruto da experiência, muitas vezes da teimosia, que não deixa se ser uma experiência também. Mas a dor ressoa, doi fundo, como mostrado no texto acima. E, se faz mais que necessária numa sociedade que cultua apenas o prazer de tudo. Lembro-me de uma letra do Titãs que diz:
Não tome comprimido
Não tome anestesia
Não há nenhum remédio
Não vá pra drogaria
Deixe que ela entre
Que ela contamine
Que ela te enlouqueça
Que ela te ensine
Não fuja da dor
Não fuja da dor
Não tome novalgina
Não tome analgésico
Nenhuma medicina
Não ligue para o médico
Deixe que ela chegue
Que ela te determine
Que ela te consuma
Que ela te domine
Não fuja da dor
Não fuja da dor
Querer sentir a dor
Não é uma loucura
Fugir da dor é fugir da própria cura
(Não fujas da dor – Titãs)


Às vezes precisamos desacelerar. Parar. Escutar o silêncio. Isolar-se da grande maioria devoradora. Precisamos iniciar nosso caminho interior, refazer-se. Ouvir o que nosso coração tem para noss dizer. Criar raízes verdadeiras. Encontrar a si mesmo. Esquecer do que foi vivida. Perder-se, para então se achar!

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