Um buraco para a alma!

Alguns mais próximos me perguntam por que parei de escrever. Outros, talvez por desconhecerem esse viés particular, me perguntam por que não começo a escrever. De uma forma ou de outra, a verdade é que sempre tentei fazer das palavras alma, ou alma com as palavras. A seqüência efetivamente não importa, porque quando expressas elas se misturam de tal maneira que tudo parece tornar-se atemporal.

Deixando de lado as (pseudo) justificativas que acompanham a sociedade considerada “moderna”, como o conhecido jargão ‘falta de tempo’, o fato é que 2011 foi definitivamente ano ímpar...muitas novas experiências me impactaram e me mobilizaram; talvez, pela primeira vez, senti a vida passando por mim, como se pudesse ser incapaz de acompanhá-la como sempre aconteceu. Esse movimento todo trouxe grande potencial espiritual, assim como certa reclusão. Independentemente dos supostos motivos que me levaram a mais essa necessária experiência, cá estou tentando resignificá-la. As palavras abrem esse canal de acesso. Acredito, ou até então acreditava, que devemos passar pela vida, senão o contrário inevitavelmente aconteceria. Aconteceu!!! Minha alma ficou à espreita, esperando que a fenda se abrisse e pudesse, novamente, libertar-se...


Neste estado de coisas, onde a alma prendida foi, minhas ações passaram a definir meus novos movimentos. A atenção focada na periferia da vida passou a ver senão aquilo que já era conhecido. Por vezes, nova possibilidade surgiu, porém era quase instantaneamente abafada pelas mesmas cruéis obrigações do cotidiano. O ato profano de repetir o anterior... Ao escrever vejo cenas e pessoais envolvidas, palavras ditas e ações compartilhadas. Com certeza, foram e são responsáveis pela atual estado que me encontro, e naturalmente imprescindíveis para que o “insight” acontecesse. Quiseram os deuses que fosse assim... Então, fica aqui, meu verdadeiro agradecimento a todos esses momentos que repercutiram também alma!!!

Naturalmente, todo esse processo causou novo aprendizado, aliás tem ainda me ensinado. Minha coerência permite-me dizer que há sentido, que devo seguir e confiar... confiar!!! E a confiança é, certamente, algo que acontece quando não existe controle, ou apego, como alguns preferem. Possui traço raro, pois costuma acontecer em situações simples, porém com grande significado pessoal. Assim aconteceu comigo ontem, ao caminhar pela primeira vez com alma conhecida... como assim?! Como o novo pode ser conhecido?! Explico: apesar de o contato físico ter possuído caráter incipiente, a sensação foi de intimidade. Sim, ainda existem experiências que transcendem ao fato, ao normal, assumindo, mesmo que passageiramente, caráter de sagrado. Fui, enquanto andávamos, com os pés e/ou com os pensamentos, escutando acerca da/de fé, falta de fé, e essas sensações todas que nos põe a meditar. Na verdade, àquela altura era impossível ouvir. Meu foco estava em outro lugar, porém fui certamente mobilizado por essa curiosa e transcendente energia – e tem quem ainda duvide! Lentamente, a fenda foi se abrindo e minha alma saindo, apesar de não ter essa consciência no momento. Pela felicidade de reconhecer esse processo e pela “*):\o/:p;” (não achei definição mais apropriada) do encontro de ontem que resolvi escrever. Compactuo com o olhar de Rubem Alves sobre o estado de felicidade, sentimento que andava tão distante, por pertencer à alma que, até então, mantinha-se trancafiada: "Felicidade é discreta, silenciosa e frágil, como a bolha de sabão. Vai-se muito rápido, mas sempre é possível assoprar outras”. E assoprar bolhas de sabão é jogar conversa fora, como aconteceu comigo neste encontro: ou seja, assoprar bolhas de sabão ou jogar conversa fora, revelam que não se pode mais deixar guardado, que é necessário sair... Assim, simples! Simplicidade inebriante da alma, como descrito acima!

O fato é que compreendo um pouco mais sobre como as relações coexistem. Claro, porque é sinônimo de dois, ou mais. É sinônimo de troca, porque dois sempre trocam, mesmo os mais sinceros desafetos. Enfim, minha prática pessoal e profissional, portanto anímica, permite-me viver e conviver com esse enlevo. Sou cotidianamente procurado por pessoas que falam de suas relações, suas interfaces e, principalmente, seus afetos. Adoro a rica possibilidade de impactar e ser impactado, promover trocas, estabelecer contato, gerar, criar, contrapor alma; por isso, tenho enorme gratidão pelo sacrifício (sacro=sagrado e ofício=trabalho) que animicamente exerço. E, foi assim que novamente aconteceu...

Parecia uma conversa como todas as outras, conhecida e casual. Foi quando uma querida amiga indagou-me ao ler o artigo do Calligaris na Folha de São Paulo no último dia 8, onde discorria sobre “pentimentos”. Afirmou que ao ler o texto havia pensado em mim e que deveria, assim, lê-lo. Falou-me sobre as mensagens que recebemos da vida, como sinais que muitas vezes deixamos de perceber. Sobre nossas escolhas e como podem determinar nosso futuro. Talvez, Robert Frost dissesse: “Duas trilhas bifurcavam num bosque de outono, e eu, viajante solitário, triste por não poder andar por ambos, por longo tempo lá fiquei olhando até onde desapareciam na folhagem. Duas trilhas num bosque bifurcavam e eu – eu fui pela menos pisada, e isso fez toda a diferença”.

Contraditório o caminho. Nunca quis andar pelo caminho que outros andaram. Gosto de criar meu próprio caminho. Por isso caminho (ou corro), por horas. Nesses momentos sigo minha trilha, e existe uma comunicação especial, única. Aliás, foi exatamente dessa maneira que aconteceu. Andava por meu caminho na manhã de domingo, quando então as palavras de ontem fizeram sentido. Havia compreendido! A compreensão traz estado de inquietação, vontade de dizer ao outro, vontade de assoprar bolhas de sabão e de jogar conversa fora. As margens à beira do caminho são incríveis, detonam o roteiro da alma. A alma faz o caminho. É necessário encontrar o caminho. Lembro-me de D. Juan: “Todos os caminhos conduzem ao mesmo fim. Escolhe, portanto, o caminho do amor”.

Prontamente li o artigo, coloquei-me a meditar e desapeguei. Aos poucos, os pontos foram se ligando e a vida tomando forma novamente. O caminho permite escolhas. Cito em meu livro que seja esse talvez o primeiro paradigma humano: escolher. Desde muito cedo! Enfim... Minha reflexão me conduziu pelas diversas experiências vividas e pelos várias escolhas e caminhos assumidos. Todos responsáveis pelo “porvir”. Interessante notar que mesmo não escolhendo, elegemos o caminho. Toda não-escolha é também escolha. Por vezes, não temos consciência da própria escolha, fazendo com que simplesmente passe por nós. Assim, a realidade que vivemos hoje é conseqüência de escolhas assumidas no ontem, conscientes ou não. Nosso estado mental reflete o nível de nossos encontros, das situações que surgem e do caminho que devemos seguir, como aconteceu comigo ontem. Quanto mais nos mantivermos em nosso centro, sabedores da responsabilidade divina que nos guia, assumiremos conduta mais madura, menos reativa e passional. Talvez possamos compreender melhor e sentir cada experiência, saindo da carência e da vitimização. Adotaremos nova postura, observando e elegendo com maior integridade... o autoconhecimento permite que não sejam eleitos novos “pentimentos” que impedem o livre fluxo de novos afetos e experiências enriquecedoras.

Postagens mais visitadas deste blog

Sermão do Mandato - Padre Antônio Vieira

Escutatório

AS RAZÕES DO AMOR- RUBEM ALVES